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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Um historiador no meio do inferno – Por Éverton Aragão

 

Permanecer dez dias num hospital psiquiátrico, testando todos os seus limites de sanidade. À primeira vista, não podemos imaginar haver uma proposta mais indecorosa: se passar por uma pessoa com graves problemas mentais, provocar sua própria internação em um hospital psiquiátrico, sem previsão de alta, e tentar obter as informações mais detalhadas possíveis sobre as condições do local. Em 1887, aos 23 anos de idade uma jovem estadunidense chamada Elizabeth Jane Cochran, que utilizava o pseudônimo Nellie Bly, não se intimidou.

Durante dez dias e dez noites ela lidou com situações de transtornos de humor e de personalidade. No caso de Nellie Bly, a corajosa jornalista, o problema não estava apenas nos maus-tratos causados aos pacientes, mas em uma falta de conhecimento em relação aos transtornos, levando pessoas típicas serem julgadas por especialistas, que pouco entendiam sobre os casos ali tratados, como em um tribunal policial.  Mesmo assim, e se fazer nenhum esforço para seguir a representação dentro do manicômio, sua situação era a mesma de algumas outras pacientes: “Falei e agi exatamente como faço no dia a dia. Por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam”.

Quando decidi viver em Santa Cruz do Capibaribe e quando decido todos os dias permanecer neste lugar sou tomado por muitos momentos de dúvida e tensão, o sentimento é de provocar-me e impor a si próprio um desafio semelhante ao de Elizabeth – Tomar coragem. Se dispor a entrar em um local inquietante. Dividir espaço e experiências com o diferente. Se manter lúcido e buscar alguma resposta.

Não se sabe ainda ao certo quando os historiadores se transformaram de inimigos do governo em inimigos do povo, mas essa conversão certamente representa um tipo de inferno terreno; palpitações, sudorese nas mãos e pés, palidez no rosto e para estender a lista de indecências fisiológicas, as interjeições argumentativas:

– “O Brasil nunca viveu uma ditadura militar, mas um regime militar”.

– “Saudades da ditadura militar, quem reclama é vagabundo”.

Refletindo, penso ser mais sensato não impor algo visivelmente claro. Mas deixar dizer uma coisa: no momento em que os homens se colocam na ala dos insanos, não podemos fazer nenhuma tentativa de continuar a cumprir o papel que nos compete. Devemos, então, falar e agi da mesma forma como fazemos no dia a dia.

A cidade, e, nela as pessoas que vivem e pensam politicamente, junto com a imprensa deveriam repensar a maneira como transmite o conhecimento histórico, valorizando mais os historiadores que hoje são inimigos declarados de um povo que tem pouco, ou nenhum, apreço pela memória dos muitos que foram excluídos da História.

No centro das muitas contradições, diante das abstrações sociais e educacionais, há uma vaga certeza: Santa Cruz do Capibaribe é um pesadelo que se vive de olhos abertos. E então, uma vez dentro dessa cidade, me pergunto – Como viver? E depois? Como sair?

Éverton Alves Aragão é professor de História e atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico Santa-cruzense (IHGS)

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